Autor: Teodorio Arão Santos de Oliveira
Engenheiro de Segurança contra Incêndio e Pânico
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A investigação de incêndio é uma atividade que se faz necessário durante a ocorrência do incêndio. A principal razão é descobrir a sua causa e, então, promover ações, informações, recomendações e até mesmo mudanças na legislação de proteção contra incêndio e pânico, para evitar que outras situações similares aconteçam.
Devido ao incêndio ser um problema de grande magnitude em todo mundo, com perdas diretas do PIB em países asiático e europeu (Japão, Espanha, Polônia, Áustria e Noruega) e com perdas de vida através do incêndio da boate Kiss (que motivou a criação de uma legislação federal e estadual aqui no Brasil), é que a investigação desse tipo de ocorrência mostra toda a sua importância.
Esse é um assunto muito amplo e exige estudos aprofundados. A capacitação dos investigadores de incêndio tem de ser consistente e a prática no combate e na investigação permitirá o desenvolvimento de sua condição de investigadores. Antes de começar a averiguar um incêndio, o investigador precisa ter grandes conhecimentos sobre o comportamento do fogo.
Para muitos, a investigação de um incêndio pode ser somente para determinar se foi criminoso ou não. Entretanto, investigações de incêndio têm um sentido mais amplo, que chega até mesmo à engenharia de segurança contra incêndio.
Por meio das investigações de incêndio é possível saber se um determinado produto tem defeito de fabricação capaz de originar um incêndio ou que uma determinada prática também concorra para esse tipo de ocorrência. Com base nesse conhecimento é possível melhorar produtos e atualizar normas de proteção contra incêndio, na busca sempre de um aumento da segurança da população.
Apesar de o início da investigação poder ocorrer em qualquer tempo, quanto mais cedo for iniciada, mais informações sobre o seu desenvolvimento e comportamento serão obtidas. A atuação do investigador inicia antes mesmo da extinção do incêndio, uma vez que ele pode obter informações mais precisas sobre o sinistro quando ainda está sendo combatido.
A presença do investigador na cena do incêndio durante o combate sempre permitirá a obtenção de valiosas informações sobre o seu desenvolvimento, bem como sobre como o ambiente pode ter sido alterado devido à ação dos bombeiros. Ele poderá aproveitar também a começar a relacionar as testemunhas e os bombeiros a serem entrevistados e os eventos que estão se sucedendo durante o desenvolvimento e a extinção do incêndio.
Assim que o acesso ao local do incêndio estiver seguro, embora o ambiente ainda esteja com altas temperaturas, o investigador poderá colher as primeiras impressões de dentro do local sinistrado. Nesse momento ainda não se iniciou o rescaldo, que é o resfriamento de pontos quentes do ambiente, a fim de evitar a reignição do incêndio. Por isso mesmo, em decorrência da preservação da cena, poderá revelar importantes informações a respeito do sinistro.
É importante que o trabalho de rescaldo seja o mais criterioso possível, diminuindo ao máximo a quantidade de material removido e até mesmo catalogando o exato local onde ele se encontrava antes de ser retirado. É nessa fase quando boa parte das evidências é destruída, podendo dificultar, ou até mesmo tornar impossível, a investigação do incêndio. Apesar de muitos bombeiros terem noção da importância da preservação do local, a presença do investigador nesse momento reforçará o procedimento, podendo até mesmo orientar a ação realizada pelos bombeiros.
Após o rescaldo é o momento que o investigador tem condições de trabalhar de uma forma mais abrangente e completa. Nessa fase é possível verificar os padrões de queima, bem como a situação do local após o incêndio, procurando evidências que o ajudarão, em conjunto com as entrevistas com testemunhas e bombeiros, a reconstruir a cena e buscar o local de origem do fogo, sua causa e como o fogo se propagou.
Uma das informações primordiais que o investigador deve buscar é o que iniciou o incêndio, na tentativa de compreender e correlacionar os fatos que ocorreram antes e como o incêndio se propagou. Essas informações serão de importância ímpar para a proteção contra incêndio, pois uma investigação bem-feita pode fazer com que normas e procedimentos sejam revistos e atualizados.
Todo investigador de incêndio precisa desenvolver suas atividades em conformidade com uma metodologia que lhe permita apontar, de forma criteriosa, a causa do incêndio. Isso exige organização, conhecimento e dedicação, com a definição de suas ações antes mesmo de iniciá-las. Laudos periciais são, não raras vezes, subsídios de decisões judiciais.
A metodologia utilizada no laudo permitirá ao magistrado, bem como a todo cidadão a quem possa interessar a compreensão dos fatos que culminaram com o sinistro. Por isso mesmo, não basta ao perito somente conhecer bem o assunto. É igualmente necessário que saiba se expressar de forma clara e concisa a respeito da investigação. As principais ações a serem desenvolvidas na investigação de incêndios são: preservar a cena; definir a metodologia da investigação; coletar o maior número de dados possível; analisar os dados; levantar todas as hipóteses possíveis relacionadas à origem do fogo e do seu desenvolvimento; testar as hipóteses levantadas e selecionar a hipótese provável.
Nenhum local de incêndio pode ser devidamente periciado se o cenário original não for mantido para os investigadores. A perícia de incêndio apresenta uma grande desvantagem na preservação dos vestígios em relação a outros tipos de perícia. Enquanto que, em exames de balística, as provas geralmente se mantêm após o evento, os vestígios decorrentes do incêndio já foram duramente testados pela ação direta das chamas e do calor e o que resta é, não raras vezes, insuficiente para determinação da causa. Não obstante, a ação dos bombeiros durante o combate também deteriora a preservação total das provas, seja pela ação da água durante a extinção, seja pela movimentação dos escombros para resfriamento dos pontos de calor, durante o rescaldo.
Os investigadores de incêndio precisam ser pessoas com atenção apurada, com conhecimento técnico aprofundado sobre como se processa o incêndio, com suas características e comportamento-padrão, além de saber analisar corretamente os vestígios coletados na cena do incêndio.
A cena precisa ser preservada até uma investigação completa do sinistro, o que pode levar dias, senão meses.
A investigação de incêndio segue uma cadeia cronológica de eventos, estabelecido pelas testemunhas, pelo cenário do incêndio e por testes laboratoriais, conforme visto na Figura 1.
Ao chegar ao local do incêndio, o investigador deve, primeiramente, delimitar o cenário a ser analisado, ou seja, o objeto da investigação, bem como relacionar, o mais detalhadamente possível, os óbitos ou as lesões em vítimas (se houver). A avaliação permitirá formular um plano estratégico de trabalho, pelo qual os dados coletados devem possibilitar ao investigador o preparo de um relatório.
Constituem ações metodológicas de uma investigação:
- coleta de informações;
- coleta de amostra para análise;
- escavação dos escombros;
- inspeção das instalações elétricas (disjuntores, fusíveis, condutores e terminais);
- registro fotográfico;
- inspeção visual das áreas atingidas e adjacentes;
- reconstituição da cena (com os escombros e com os materiais não queimados);
- verificação da existência de múltiplos focos.
Em todas as ações acima citadas, deve-se primeiramente delimitar quem participará da atividade (testemunhas e bombeiros a serem entrevistados, por exemplo), quando e como será realizada a ação.
É importante lembrar que incêndios com vítimas devem ser periciados em conjunto com a perícia criminalística, a fim de que os trabalhos em campo não prejudiquem uma ou outra perícia. Isso exige esforços em conjunto de mais de uma instituição e, provavelmente, demandará mais tempo de trabalho dos investigadores envolvidos.
O investigador deve buscar coletar o maior número possível de dados sobre o evento, por meio de observação direta, medições, fotografias, testes laboratoriais, estudos de caso e entrevistas às testemunhas. Elas deverão ser qualificadas no relatório, com o maior número de dados a respeito, inclusive endereço e telefone de contato e sua condição de testemunha do incêndio (se proprietário, observador, vizinho, bombeiro, etc.).
As informações obtidas das testemunhas devem ser coletadas primeiramente de forma livre, deixando que o indivíduo fale tudo o que se lembra sobre o evento para, somente depois, serem feitas as perguntas julgadas importantes. Dessa forma, é possível analisar possíveis contradições nos depoimentos e a confrontação com os vestígios ou até mesmo sanar possíveis dúvidas dos investigadores.
O relato dos bombeiros envolvidos no combate também é muito importante para o laudo, uma vez que eles são testemunhas oculares do comportamento do incêndio. Por serem os primeiros agentes públicos a chegar ao local e ainda por poderem alterar a cena original por necessidade do combate ao incêndio, os bombeiros podem informar aos investigadores dados importantes como: quebra de janelas, abertura de portas ou feitas nos tetos e paredes, técnicas e procedimentos de combate adotados, inclusive de ventilação (uma vez que afeta sobremaneira o comportamento do calor e das chamas). Consequentemente, a integração entre os investigadores de incêndio e os combatentes que atuaram no incêndio deve ser a maior possível.
É importante que, nos casos de coleta de depoimentos de vítimas hospitalizadas ou em condição de trauma psicológico decorrente do incêndio, os investigadores se assegurem, pela medida do bom senso, que elas estejam em condições de falar a respeito. Medicações fortes podem alterar o quadro mental da vítima e dificultar ou confundir lembranças a respeito do sinistro.
A análise de toda a edificação, inclusive das áreas não atingidas, deve ser considerada pelos investigadores. Isso porque, em alguns casos, a fonte de calor que originou o incêndio não se encontra no ambiente sinistrado, podendo ter sido trazida por meio de fossos de ventilação, sistema de ar condicionado, dutos técnicos, escadas ou janelas.
Na Figura 2, a cortina atingiu o ponto de ignição, propagando-se para a parte superior do sofá de três lugares encostado à janela.
Figura 2 – Incêndio em residência causado por cigarro atirado pela janela de um pavimento superior ao da residência sinistrada/Fonte: Silva, Valdir P., et.al. (2008)
Todo levantamento de dados sobre incêndio visa assegurar, de forma objetiva, se os vestígios, inclusive o depoimento das testemunhas, são verídicos e harmônicos entre si.
O investigador precisa utilizar sua experiência e conhecimentos a fim de concatenar os vestígios coletados e definir o comportamento do incêndio. É importantíssimo que conheça bem como se comporta o incêndio nos diversos tipos de edificação, a fim de melhor compreender os vestígios encontrados na cena do incêndio. Por isso mesmo, em vários países, investigadores de incêndios são bombeiros com grande experiência de combate.
Depois da análise dos dados obtidos, os investigadores devem relacionar, uma a uma, todas as hipóteses possíveis quanto à causa que estejam em conformidade com os vestígios e com o relato das testemunhas. Em princípio, na investigação em que não foi possível estabelecer qual foi o comportamento do fogo, nenhuma hipótese pode ser descartada. Todas as possibilidades devem ser consideradas, a fim de que não restem dúvidas, ao final dos trabalhos, de como se originou o sinistro.
É importante lembrar que um mesmo comportamento desenvolvido pelo calor e pelas chamas pode admitir mais de uma possibilidade de causa.
Por método dedutivo e levando-se em consideração experiências anteriores, as hipóteses devem ser testadas uma a uma, em comparação com o comportamento do incêndio e com vestígios existentes. Essa fase visa excluir todas as outras possibilidades de causa que não possuem sustentação nos vestígios.
É uma fase que demanda tempo e esforço por partes dos investigadores e pode exigir uma coleta de dados adicional, novas informações das testemunhas e o desenvolvimento ou a alteração das hipóteses.
Consequentemente, as etapas de análise de dados, levantamento de todas as hipóteses e testar as hipóteses levantadas se repetem até não haver discrepância entre as hipóteses e for possível apontar a causa.
Tudo o que não puder ser comprovadamente eliminado deve continuar sendo considerado como possível e os investigadores necessitam admitir também esta condição.
Também conhecida como a fase de conclusão ou opinião dos investigadores, esse passo visa levantar a hipótese provável, baseada em uma confrontação harmônica entre os vestígios coletados e as informações das testemunhas. Quando uma hipótese consistente é confrontada harmonicamente com as evidências e, consequentemente, pode se tornar a hipótese final, o laudo pode apontar a causa do incêndio. Se isso não for possível, a causa deve ser considerada indeterminada ou, como adotada oficialmente por algumas instituições, causa não-apurada.
Toda investigação de incêndio necessita, por parte dos investigadores, da compreensão do comportamento da queima e da dinâmica do incêndio. Após a definição destes dois elementos, que devem ser relacionados de forma clara e concisa, os investigadores podem tipificar a causa.
O incêndio inicia-se em um determinado ponto, conhecido como foco inicial, e assume, normalmente, uma queima radial e ascendente, conforme visto na Figura 3. O ambiente em que o foco inicial se encontra é denominado zona de origem do incêndio.
Geralmente o incêndio se propaga em forma de raio, do centro para fora, quando o vento não é significativo; consequentemente, as marcas de queima no foco inicial são mais profundas exceto se as chamas se propagarem para um material mais combustível.
Figura 3 – Exemplo de queima radial/Fonte: Silva, Valdir P., et.al. (2008)
Na Figura 3 é possível observar a queima radial de um cigarro em um forro de papelão prensado utilizado como teto falso e a queima em profundidade no foco inicial em forma de “V” pode ser vista na Figura 4.
A característica de queima em “V” na profundidade do material, principalmente da madeira, ocorre em decorrência das altas temperaturas atingidas pelas incandescências (brasas), que costumam ser da ordem de 1000ºC.
Na Figura 4 é possível observar a queima da porta, com marca mais profunda da madeira (queima em “V”) apontada pela seta. É possível também notar que o ambiente quase não teve presença de fuligem, dado o alto grau de combustão do GLP.
Se há corrente predominante de vento na combustão, a queima deixa de admitir uma forma radial para a forma cônica na direção do vento.
A figura 5 mostra a direção do vento marcada pela seta branca. É importante lembrar que, mesmo a combustão ocorrendo mais facilmente a favor do vento, o material combustível continua queimando contra o vento, só que em uma velocidade menor.
A Figura 6 mostra a interferência do vento nas chamas, propagando o incêndio para a lateral do ambiente, consequentemente, as marcas da combustão serão mais intensas nesse local.
É importante que os investigadores saibam diferenciar vestígios de múltiplos focos, que apontam para incêndio criminoso, de vestígios de incêndio generalizado (flashover). Os vestígios gerados em um incêndio generalizado apresentam marcas de queima superficial em todos os materiais existentes no ambiente, uma vez que todo ele esteve envolto em chamas, além de maior destruição da parte superior do ambiente dadas as altas temperaturas atingidas na camada de fumaça.
A compreensão da dinâmica do incêndio permite aos investigadores analisar corretamente seus vestígios. Apesar de cada incêndio possuir particularidades, há um padrão de comportamento entre os incêndios ocorridos em ambientes com características construtivas e cargas de incêndio semelhantes.
Uma boa compreensão das fases de um incêndio pode ajudar ao investigado a entender o que aconteceu em um incêndio.
A fase inicial é a fase incipiente do incêndio, com temperatura no teto de aproximadamente 40ºC. Após as chamas aparecerem o incêndio cresce rapidamente.
O que o investigador pode verificar em um incêndio que foi combatido ainda nessa fase:
- É fácil verificar o padrão de queima em “V” no foco inicial.
- É fácil encontrar o foco inicial e, consequentemente, a causa.
- A maioria dos vestígios ainda está intacta.
Nas fases crescente e totalmente desenvolvida o incêndio torna-se mais intenso à medida que mais materiais participam da queima. Essas são as fases de maior produção de chamas, onde a temperatura no teto está acima de 700ºC.
O que o investigador pode verificar em um incêndio que foi combatido ainda nessas fases:
- Marcas de fuligem por chamas nas paredes.
- Padrão de queima em “V” mais evidente em materiais combustíveis, como paredes de madeira.
- A carbonização é maior na zona de origem se comparada com outros ambientes adjacentes.
- O exame dos objetos no ambiente sinistrado ajuda a identificar mais facilmente a zona de origem do fogo.
- Derretimento de metais leves, como alumínio.
Na fase final, o combustível torna-se mais escasso, a queima em chamas é menor e a presença de incandescência é maior.
O que o investigador pode verificar em um incêndio que foi combatido ainda nessa fase:
- Marcas de fuligem nas paredes que podem estar tão baixas na faixa de 30 cm.
- O padrão em “V” e os padrões de queima podem estar ocultos em decorrência da carbonização.
- Quanto mais longa for a queima, menos evidências estarão disponíveis.
Edificações em concreto ou tijolo apresentam-se, geralmente, compartimentadas por paredes do mesmo material, como o caso de residências, apartamentos e escritórios. Sua carga de incêndio, normalmente, consiste em mobiliário de madeira e estofados, além de equipamentos eletroeletrônicos.
A queima apresenta-se rápida, porém restrita ao foco inicial ou a um compartimento, haja vista a delimitação do calor e das chamas pelo teto (comumente em laje de concreto) e pelas paredes.
Os pontos atingidos somente pela fumaça apresentarão bastante fuligem, geralmente nas paredes adjacentes ao foco do incêndio, na parte superior e no teto. A fuligem é trazida pela fumaça e suas marcas são de manchas uniformes escuras.
O ponto em que houve chamas apresenta marcas claras, em maior profundidade. Não é raro o deslocamento do material de revestimento da parede pela ação do calor.
Edificações compartimentadas por gesso acartonado (dry wall) ou divisórias de madeira costumam apresentar combustão mais rápida, causada pela deteriorização do material com o calor.
Edificações de madeiras típicas de favelas são constituídas, normalmente, de telhado de fibrocimento e paredes de madeirite, que é de fácil combustão. É comum o abastecimento irregular de energia elétrica (gatos) ou uso cotidiano de velas, o que aumenta o risco de um sinistro.
Apesar de a carga de incêndio aproximar-se bastante da carga de incêndio das edificações em alvenaria de concreto ou tijolo, a queima aqui se apresenta extremamente agressiva, atingindo altas temperaturas em um espaço de tempo reduzido. Consequentemente, os vestígios para a perícia também são drasticamente reduzidos ou comprometidos face o alto grau de destruição da edificação.
A fumaça e os gases quentes produzidos pela combustão sobem, atingem o teto e espalham-se para os lados. Ao se deparar com as paredes, a fumaça desce em movimento circular, aquecendo os materiais presentes no ambiente por convecção e radiação térmica, enquanto as chamas do foco inicial continuam propagando o incêndio radialmente por condução. Se o processo não for interrompido, em alguns minutos o ambiente estará envolvido em chamas pela generalização do incêndio, também conhecido como flashover.
Para a propagação das chamas em um compartimento, o material de acabamento da edificação influenciará significativamente no teto e pouco nas paredes.
No caso da edificação em madeirite, esse processo inicia também a destruição do telhado (que, apesar de não propagar chamas, é pouco resistente ao calor e trinca, caindo no ambiente) e a combustão das paredes, levando a uma carbonização do material atingido e destruição total do ambiente.
As causas possíveis de incêndios são mais comumente tipificadas em: fenômeno natural, fenômeno químico, origem acidental e ação pessoal. A ação pessoal pode ser subdividida em acidental, intencional ou indeterminada. Algumas instituições adotam a indicação de causa decorrente de ação de criança. Existe ainda a situação em que a causa não pode ser apontada.
O fenômeno termoelétrico compreende todo o incêndio causado por mau funcionamento da corrente elétrica: centelhamento, desconexão parcial, sobrecarga, contato imperfeito, grafitização, curto-circuito e sobretensão.
O fenômeno natural representa todo incêndio cuja causa está relacionada com comportamentos da natureza ou anomalias da edificação: queda de raio, vendaval, deslizamento, desmoronamento, terremoto. Esse tipo de causa também comporta a combustão natural, como o exemplo do fósforo branco.
Toda causa de incêndio relacionado a uma reação química, espontânea ou induzida é tipificada como fenômeno químico. Geralmente, envolve uma reação exotérmica, ou seja, com liberação de calor, causado pela combinação de substâncias químicas.
A origem acidental compreende toda a causa relacionada a defeitos de funcionamento, fagulha ou acidente. Isso compreende possíveis deficiências de maquinários e equipamentos, o que permite, por meio do levantamento de dados desta origem, solicitar, junto aos fabricantes, a correção de mau funcionamento de eletrodomésticos e eletroeletrônicos.
A ação pessoal intencional, também conhecido como incêndio criminoso, é um evento que envolve dolo, ou seja, intenção de causar o incêndio.
Geralmente, é caracterizado pela presença de múltiplos focos iniciais, comportamentos de queima anômalos ou presença de agentes aceleradores, mais comumente, hidrocarbonetos (gasolina, álcool, querosene). Pontos com agentes aceleradores apresentam, na maior parte das vezes, marcas de queima em maior profundidade e seus vestígios podem ser analisados por meio de testes laboratoriais. Para isso, é necessário que o perito saiba coletar e acondicionar corretamente a amostra, sob pena de perder os traços deixados pelo agente acelerador.
Investigação de incêndio que envolva ressarcimento de prejuízo por meio de seguro deve considerar essa possibilidade até que possa ser descartada pelos vestígios. Incêndios criminosos com intenção de receber o valor assegurado não são tão raros quanto deveriam.
A ação pessoal acidental é toda origem de incêndio decorrente de ação humana sem dolo, ou seja, sem intenção de causar dano. Geralmente, é conseqüência de negligência, imprudência ou imperícia, por exemplo, velas esquecidas acesas, cigarros mal apagados.
A ação pessoal indeterminada é toda origem, comprovadamente, relacionada à ação humana, porém sem elementos que possam comprovar se a intenção foi dolosa ou acidental.
Em todo tipo de ação pessoal, os investigadores devem apresentar qual o agente causador do incêndio: se chama aberta (chama de vela, chama de fósforo, chama de fogão, etc.), material incandescente (cigarro, faísca, etc.) ou superfície aquecida. Exemplo de superfície aquecida: vazamento de gás liquefeito de petróleo (GLP) em contato com o forno do fogão aquecido.
O fogo costuma atrair a atenção de crianças e, por conseqüência, incêndios envolvendo ação de crianças também são comuns. Esse tipo de classificação, à parte das outras ações pessoais, visa a um levantamento de dados que permita desenvolver campanhas educativas junto à sociedade para prevenção de incêndios que envolvam crianças.
Incêndios desse tipo costumam causar queimaduras, quando não levam a óbito, uma vez que o mais comum é que brinquem próximas a sofás ou camas, que queimam fácil e rapidamente devido à sua carga de incêndio. O mais comum é o uso de fósforo, mas isqueiros também são utilizados. Geralmente, a classificação de ação de criança em um laudo pericial é abaixo de oito anos de idade.
Nesses casos, é comum encontrar: palitos de fósforo na zona de origem do incêndio ou espalhados pelo local; ausência da caixa de fósforos ou do isqueiro da residência no local de costume; dificuldade de obter informações mais precisas sobre o incêndio, principalmente da mãe da criança envolvida, por proteção.
Todas as vezes em que os vestígios existentes não puderem sustentar a causa apontada, depois de seguida a metodologia, o laudo deve apresentar causa não apurada, ainda que os investigadores saibam o que causou o sinistro.
Existem dados considerados essenciais em um relatório, seja ele pericial ou técnico. Eles devem ser capazes de informar as principais características do local sinistrado, do incêndio e das vítimas, se houver. Quanto mais informações existirem no laudo, mais ele tende a ser eficiente pelo detalhamento do ocorrido.
Constituem dados essenciais do local:
- endereço completo;
- tipo de edificação (se residencial, comercial, mista, industrial, escolar, de concentração de público, etc.);
- área total da edificação em metros quadrados;
- área atingida pelo incêndio em metros quadrados (todos os compartimentos atingidos, inclusive por fuligem);
- área atingida somente pelas chamas;
- número de pavimentos da edificação e qual(is) deste(s) foram atingido(s) pelo incêndio;
- tipo de material construtivo predominante (concreto, tijolo, madeira, madeirite, vidro, etc.);
- se era abastecida por energia elétrica ou não;
- tipo de cobertura (laje, telhado, etc.);
- tipo de piso.
Nas investigações de incêndios florestais, a área queimada é mensurada em hectares.
Constituem dados essenciais do incêndio:
- data e hora do evento;
- data e hora da realização da perícia;
- descrição da zona de origem do incêndio;
- descrição do foco do incêndio;
- descrição de como o incêndio se propagou e de como foi a atuação dos bombeiros (viaturas empregadas, quantidade de agente extintor utilizado, tempo de combate e dificuldades encontradas);
- relação das vítimas (quantidade, idade, condição, motivo da lesão ou óbito e se eram bombeiros em serviço);
- relato de testemunhas (quem são, o que viram, o que presenciaram, etc.);
- considerações finais (principais observações em relação às possíveis causas levantadas e a correlação dos elementos obtidos, de forma que seja possível compreender o que ocorreu e porque não seria outra causa senão a apontada);
- determinação da causa do sinistro.
Na tentativa de determinar a origem do incêndio, frequentemente se faz necessária a realização de testes e ensaios que permitam determinar o cenário mais provável. Uma ferramenta importante e muito atual é o modelamento computacional de incêndio, pelo qual se busca comparar o evento real com a simulação de várias causas e cenários diferentes. Obviamente, a simulação não traz em si todas as respostas sobre o incidente, pois é apenas mais uma ferramenta, mas a sua utilização pelo investigador, em conjunto com o seu conhecimento em engenharia de proteção contra incêndio e do método científico de investigação de incêndio, faz com que possam ser obtidos resultados bem consolidados.
A simulação permite a verificação das condições a que um local pode ter sido submetido quando da ocorrência de um incêndio, calculando dados importantes como: temperatura, concentração de gases como oxigênio e monóxido de carbono, tempo para acionamento dos detectores (de fumaça e calor) e dos sprinklers, tempo de queima, entre outros.
O objetivo é o de encontrar a causa mais provável do incêndio, mas também permite verificar se o projeto arquitetônico da edificação foi negligente quanto à segurança contra incêndio ou se há falha nos sistemas de detecção e supressão, o que permitiria mudanças necessárias nas normas e códigos de proteção contra incêndio e pânico para evitar que um incêndio similar não aconteça no futuro.
Embora todo o embasamento físico e matemático das leis de conservação que governam a transferência de calor, dinâmica de fluidos e combustão já ser conhecido há mais de um século, foi apenas recentemente que o modelamento numérico de incêndio começou a ser possível. Foi criada, então, uma nova realidade na área de investigação de incêndio, fazendo com que fosse possível simular situações que poderiam ter realmente ocorrido, em comparação com as evidências físicas encontradas no incêndio real.
O primeiro modelo a atingir uma grande aplicabilidade, devido à sua simplicidade física e computacional, foi o de duas camadas. Ele é um modelo para simulação de incêndio em ambientes construídos e divide o espaço em dois volumes: a camada superior quente e a camada inferior fria (Figura 7). Também permite o cálculo de distribuição de fumaça, bem como altura da camada de fumaça e a sua temperatura por meio dos compartimentos de uma edificação durante um incêndio. Um exemplo de ferramenta computacional utilizada para realizar este cálculo é o CFAST, do National Institute of Standards and Technology (NIST).
Mais recentemente, foram introduzidos modelos baseados em dinâmica computacional de fluidos (CFD). Esses modelos se utilizam das equações de conservação das massas, espécies, momento e energia, dividindo-se o ambiente estudado em várias células (Figura 8).
Um exemplo de programa que utiliza este tipo é o Fire Dynamics Simulator (FDS), também do NIST. Ele resolve numericamente uma forma das equações de Navier-Stokes, apropriada para baixa velocidade, com fluxo termicamente dirigido e com ênfase no transporte de calor e fumaça dos incêndios. Esse tipo de programa permite que sejam avaliadas a dinâmica de um incêndio e o movimento da fumaça por meio de informações sobre temperatura, densidade, pressão, velocidade e composição química em cada célula. O programa que permite visualizar em três dimensões os resultados obtidos pelos cálculos do FDS é o Smokeview, também do NIST.
O FDS tem se tornado uma ferramenta poderosa para a investigação de incêndios. Ele vem sendo utilizado para avaliar a dinâmica do incêndio em incêndios ocorridos nos Estados Unidos.
No Brasil, a utilização do FDS e o Smokeview como ferramenta de auxílio à perícia, foi utilizado num incêndio que aconteceu em um barraco de madeira de cômodo único, localizado no Distrito Federal e que vitimou duas crianças. O barraco contém: um sofá, uma cama de casal, um armário, um berço conjugado com uma cômoda, outra cômoda e um armário de televisão, como visto na Figura 9.
O modelo foi construído levando se em consideração a geometria da construção e as propriedades térmicas dos materiais utilizados, permitindo visualizar como pode ter ocorrido o incêndio. Dentre os vários cenários possíveis, dois possuíam maior possibilidade de origem: um com a fonte de calor perto do berço e outro próximo ao sofá (ver as setas na Figura 9).
O modelo computacional foi comparado com as marcas de queima encontradas na cena do incêndio e com as informações prestadas pelas testemunhas e bombeiros. Quando os modelos foram executados, as marcas de queima apresentadas no incêndio real ficaram extremamente próximas às marcas verificadas no caso do cenário com a fonte de calor próxima ao berço.
A Figura 10 mostra a fotografia do barraco cujas marcas coincidem perfeitamente com o apresentado pelo modelo computacional (ver setas).
Figura 10 – Momento em que ocorre a generalização do incêndio (flashover), com a queima iniciando próximo ao berço./Fonte: Silva, Valdir P., et.al. (2008)
Foi possível verificar também que, quando da ocorrência da generalização do incêndio, a temperatura pode ter chegado a mais de 1000ºC em grande parte do ambiente em um período inferior a oito segundos, conforme visto na Figura 11.
A sequência vista nas Figuras 10 e Figura 11 mostra o modelo de incêndio apresentado no barraco em questão sob dois aspectos de observação. Enquanto a Figura 10 mostra o comportamento das chamas, a Figura 11 mostra as temperaturas atingidas no ambiente no mesmo tempo avaliado.
Embora o uso desta tecnologia esteja começando, principalmente no Brasil, ela vem se desenvolvendo muito rapidamente. Mais pesquisas sobre o comportamento dos diversos materiais quando expostos ao calor e suas propriedades térmicas permitirão, cada vez mais, criar modelos computacionais precisos, facilitando, sobremaneira, o estudo das ocorrências reais de incêndio, na melhoria da prevenção e atualização das normas de proteção contra incêndio e pânico.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
SILVA, Valdir P.; CARLO, Ualfrido D.; Silva, Silvio B. da; ONO, Rosaria; PANONNI, Fábio D.; GILL, Alfonso A.; SEITO, Alexandre I. A Segurança contra Incêndio no Brasil, Investigação de incêndio pags. 333-345, Doutor George Cajaty Barbosa Braga e Perita de Incêndio Helen Ramalho de Oliveira Landim, Projeto Editora, São Paulo, 2008.